Cocriar é somar para multiplicar

Érico Fileno
6 min readMay 2, 2020

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Entrevista concedida a Cristina De Luca — cristina.deluca@theshift.info

Ele se autodefine como designer de formação com experiência em inovação e estratégia. “Minha principal função é integrar pessoas e soluções, conduzindo uma abordagem mais humana para os negócios”, diz Erico Fileno, diretor executivo de Inovação da Visa.

Há cerca de 4 anos aportou na companhia para ajudar a criar o Innovation Studio, um dos doze centros de inovação da Visa no mundo, e trabalhar em conjunto com importantes players do mercado brasileiro na cocriação de produtos e serviços tendo como norte o futuro disruptivo dos meios de pagamento.

Na bagagem, uma única certeza: a de que a tomada de decisões deixou de ser baseada apenas nos números e nos cifrões das planilhas para envolver também questões como a emoção e a intuição. “No fim das contas, a decisão de compra cabe ao ser humano e ele busca consumir experiências memoráveis”, diz.

Gerá-las, levando em conta a migração do cartão de plástico para a internet das coisas, o desenvolvimento dos pagamentos móveis e a entrada de novas empresas no tradicional grupo de players do setor de pagamentos, é ao que se dedica diariamente, inspirando funcionários, clientes e parceiros a trabalhar em conjunto, de forma ágil e sustentável, entendendo a dor do consumidor, acima de tudo.

Nessa entrevista, Erico compartilha insights sobre a metodologia implantada no Innovation Studio e aprendizados de como as ferramentas de design têm ajudado nos processos de cocriação e de inovação aberta. Boa leitura!

DISRUPÇÃO É …

“Quando a gente promove uma quebra de paradigma. Ao desenvolvermos uma solução, um produto ou um serviço, criando um novo modelo de negócio e de interação que se tornam um novo padrão de mercado, a disrupção acontece quando esse padrão quebra paradigmas.

Olhe para o celular, por exemplo. Todo aparelho tem uma tela touch e as pessoas interagem através do toque. Qual será a quebra desse paradigma? Como será o novo formato? Como será a nova interação? No mercado de meios de pagamento, por exemplo, quebrar o plástico em uma série de formatos, com diferentes recursos, foi uma forma de promover disrupção.

Hoje a gente vem experimentando também novas formas de interação homem-máquina, por voz, usando Realidade Virtual e Aumentada. Também tem aí todo um segmento que ainda vai explodir no Brasil, que é o da Internet das Coisas. O mundo inteiro está só esperando a tecnologia 5G ficar mais acessível. Quando isso acontecer, a gente vai ver na prática o que hoje a gente só vê em protótipo, ou em pequena escala, que é geladeira fazendo compras e realizando pagamentos, carros realizando pagamentos…

O que fazemos no Innovation Studio é apimentar o olhar para o futuro dos meios de pagamento, trazendo toda essa discussão para o universo do comportamento do ser humano. Pensamos soluções que resolvam problemas reais, base do Human Centered Design.

Todo o nosso trabalho é centrado no comportamento dos seres humanos. Não é uma discussão tecnológica, por si só, mas uma discussão tecnológica com viés humano.

Qualquer projeto na Visa começa com uma pesquisa. A gente trabalha muito pautado em entender quais são as necessidades do consumidor, quais são as dores que ele tem, e também quais são as oportunidades que a gente consegue enxergar para atender a essas necessidades.

Focamos primeiro em pesquisas qualitativas, mais exploratórias. Trabalhamos basicamente com imersão, observação e entrevistas em profundidade, com um viés antropológico, para construção das personas e geração de insights. Nosso interesse não é o que as pessoas dizem, mas ver, ouvir e observar o que elas fazem. O objetivo não é testar uma hipótese. Para isso usamos outros tipos de pesquisa, mais à frente, quando o projeto já tem uma ideia concebida que a gente precisa validar.

Nem sempre uma ideia surpreendente faz sentido para o consumidor. Para comprovar se uma solução é aprovada pelo cliente, são realizados vários tipos de testes em protótipos de diferentes níveis, tanto analógicos como digitais. É necessário transformar os achismos do mercado em hipóteses e validá-las de forma rápida, barata e eficiente.

Colaboração é a chave para a inovação e as ideias que vêm de fora — de fintechs, startups, clientes, parceiros e consumidores. A Visa é uma empresa B2B. Nossos clientes são bancos, financeiras, varejo, empresas de tecnologia. Eles também trabalham em conjunto com a gente. São parceiros na inovação. E temos um programa de aceleração, que nasceu logo depois da inauguração do Innovation Studio, pelo qual já passaram mais de 60 startups.

Escolhemos o caminho da cocriação, apostando na inovação aberta. Engajar, cocriar e ter uma nova experiência com os consumidores são pontos essenciais para o nosso negócio.

No primeiro ano a gente trabalhou com startups early stage, que ainda não haviam construído o seu MVP. Agora a gente só trabalha com startups em fase de crescimento ou escala que estejam buscando aceleração. E não fazemos nenhum aporte, nem temos qualquer tipo de participação no board dessas startups. O foco é mais em mentoria e aplicação da nossa metodologia de design para que ela possa repensar o seu produto ou serviço e o seu posicionamento de mercado.

Vale destacar que o que nasceu como um programa de mentoria de startups acabou se tornando um programa de mentoria interno. Há alguns anos, a empresa vem investindo e incorporando em seu DNA uma série de workshops e atividades para melhor desenvolver também seus colaboradores, ampliando o número de mentores e mentorados. Cerca de um terço dos seus colaboradores já realizam mentorias para as startups aceleradas. E no ano que vem a meta é ter os próprios funcionários mentorando outros funcionários, olhando para a inovação.

O Innovation Studio também tem um olhar voltado para dentro de casa, para a transformação da própria companhia. A inovação é muito importante para isso. Ela modifica de dentro para fora, mas também acaba modificando muita coisa dentro da própria companhia. Temos uma série de iniciativas para promover a mudança de mindset.

Mesmo o time do Innovation Studio não é um time fechado. Procuramos promover a colaboração. Hoje temos um pipeline de 20 projetos andando em paralelo. Alguns deles já ativos ou começando a ser lançados no mercado.

A inovação não é restrita a um grupo de pessoas. Envolve todo mundo, em todos os níveis. Todos participam do processo.

Com o Santander, o embrião do projeto recém-lançado Ben Visa Vale começou no Innovation Studio. Foi o primeiro cartão com pagamento por aproximação voltado para o mercado de refeições e alimentação. Já em parceria com a Movida, as sessões de cocriação contribuíram para repensar o modelo de check-in dos clientes no processo de retirada dos carros. Para a Fiat, o time foi desafiado a explorar o conceito do carro como plataforma de negócios.

O design thinking nos ajuda a pensar o projeto num formato ágil: entender e definir, divergir, decidir, prototipar e validar. Para ter a clareza do problema e como ele atinge o público-alvo, usamos o mapa de stakeholder para identificar todos os atores e instituições que afetam a vida do consumidor, do mais próximo ao mais distante.

Há alguns anos a Visa fez um movimento emblemático de mudança ao lançar a sua plataforma de APIs. Qualquer desenvolvedor pode entrar no portal, pagar o cadastro, usar qualquer das APIs disponíveis para desenvolver sua solução, testá-la em um ambiente controlado e entrar em contato com a nossa área comercial para solicitar a análise da implementação da solução. Com ela a gente acaba encurtando e reduzindo as fricções na jornada do empreendedor e o time to market dele.

Como em todo processo, o de cocriação também tem pontos de atenção que devem ser evitados, tais como o mesmo participante executar muitos projetos, ou a alocação errada de um profissional júnior para a tomada de decisão; a seleção de pessoas com o mesmo perfil e mesmo background. Ter um colaborador estratégico nas atividades apenas para cumprir agenda também não funciona, bem como sessões de design muito longas. E a metodologia não deve se antecipar à solução ou seguir modismos metodológicos.

É necessário identificar erros e acertos, gerir expectativas, realizar um programa de governança, pivotar o projeto se ocorrer falta de engajamento do time quanto à solução e atuar de forma rápida em busca de uma nova alternativa se for o caso.

Não existe uma ciência exata. Cada empresa terá que encontrar o seu próprio caminho. E uma proposta de valor boa para todos os envolvidos.

E ter em mente que o que funcionou em uma empresa pode não funcionar em outra. É preciso ser flexível, adaptar o projeto ao contexto organizacional, e implementar a metodologia ou abordagem mais adequada à sua realidade, gerando valor para toda organização.

Entrevista originalmente publicada no E-Book BRAIN HUB Conectando Mentes Disruptivas — Volume 2 da Editora The Shift. Entrevista concedida à Cristina De Luca — cristina.deluca@theshift.info

Link do E-Book: https://materiais.theshift.info/aa6fd51bd1d51bbb8392

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Érico Fileno

Designer & Educator, +25 years of experience in several Fortune 500 companies. Pioneer in Design Thinking, UX, Service Design, and Interaction Design.